sábado, 27 de novembro de 2010

27.11.2010

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero.
Odeio-te sem fim e odiando-te te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Talvez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.
Pablo Neruda

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

24/11/2010

24 de Novembro. As feridas reabrem-se. O meu muro de indiferença é derrubado e sou invadida por memórias amargas que me dilaceram o coração. Sinto-me inútil, fraca, muito pequenina. Lembrar-me de ti é hoje a minha mais dolorosa fraqueza; equivale ao mais bruto empurrão para o mais vergonhoso recôndito da minha consciência. Tento ver televisão ou ouvir música na ânsia de me desfazer destes pensamentos. É ridículo, pois tudo me faz lembrar de ti.
Encaminho-me para a varanda, descalça e em bicos-de-pés, desesperada por conseguir diluir o meu habitual negativismo. Sou recebida pela Lua que, envolvida na neblina e reflectindo para mim o seu brilho prateado, não se incomoda com a minha presença. É uma velha amiga minha, a Lua. Por pertencer ao meu refúgio, chego a pensar que me conhece melhor do que ninguém.
A minha mente lateja e as minha têmporas palpitam. Gostava que, por vezes, o meu cérebro fosse capaz de parar e me dar um bocadinho de descanso. Apesar de toda a minha relutância, a panóplia de memórias teima em invadir a minha mente e em diminuir-me. Por fim, caio no abismo que é em pensar em ti e o pior é que ainda não descobri o caminho para trepar de novo a colina. Penso em ti e penso em nós. Nós... Nós nunca foi uma escolha ou opção. Unia-nos, fortalecia-nos e amparava-me as quedas. Nós tornava-me mais viva, mais sensível, mais humana; por isso, nós turvava-me a visão. E a minha visão míope fazia-me amar-te, pois quanto mais lúcido o Homem está, menos é capaz de sentir.
E agora que é o fim e que o mundo não me podia parecer mais nítido e cinzento, vejo-me aliciada pela tentação de desistir. Desistir demonstra sempre covardia, mas é também a mais fácil e rápida das escolhas. O problema é que o nós não me deixa ceder, meu amor. É demasiado astuto. Quando menos espero, sussura-me " Olha para o teu coração Catarina. O que vês? Não te vês a ti, vês-me a mim".

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

what have we done to the world?

Queria mudar o mundo e por isso levantei-me para me observar ao espelho e para reflectir sobre o que deveria fazer. Estava diferente naquele dia, estava zangada. Os meus olhos estavam demasiados negros e vazios, inalteráveis. Suplicando por ajuda e pretendendo exorcisar a maldição daquele dia, o meu reflexo gritou-me "O tempo escasseia, Catarina". Tic-toc... Eu sabia ao que ele se referia. A Terra parecia doente, como se não houvesse curita que pudesse estancar os seus ferimentos. Crianças esfomeadas, nações divididas por falta de confiança, guerra, morte... E contemplando-me ao espelho, contemplava o que não via, procurava respostas indecifráveis. No fundo, sentia-me como o meu reflexo e o pânico começava a percorrer as minhas veias.
Teria de fazer alguma coisa e o meu reflexo assegurou-me de que iria encontrar pessoas predispostas a solucionar o mesmo problema que eu, o problema da Humanidade. Já de noite, vislumbrei, satisfeita, o meu reflexo no espelho; a minha expressão estava já mais suave e serena.

Desfolhei livros e enciclopédias, discuti com pessoas influentes e poderosas, procurando ajuda e cooperação. A minha ingenuidade acabou , como sempre, por me atraiçoar. Para algo dar certo é necessário que todos façam a sua parte e não é assim que os humanos funcionam... há que desistir quando a corda asfixia um bocadinho o pescoço.
Revoltada, fixei o meu olhar gélido e a minha boca cerrada. O meu reflexo havia ficado desmotivado e tinha um ar confuso; "Secalhar não vale a pena, Catarina. Mas tu vais ficar bem, o teu futuro ainda está garantido", disse-me. Estranhei-me, naquele momento, havia algo de muito errado. Quem era aquela pessoa a olhar para mim? O meu reflexo não era eu. Estava separado, no outro extremo até. O meu reflexo via os problemas lá fora mas desde que esses problemas não me afectassem directamente, estaria tudo bem. Mas eu não era assim e não sinto as coisas dessa forma.
Esses problemas não são exteriores, não são de outros. São meus, nossos, e eu sinto-os dentro de mim. Sinto a criança chorosa na Etiópia, sinto o sofrimento das focas, sinto a captura do gorila e sinto o soldado adolescente que treme de terror.
Agora sei que, da próxima vez que me olhar ao espelho, o reflexo já estará desvanecido. Será uma imagem e apenas reflectirá um ser vivo embrulhado num saco de pele e ossos. A minha alma e consciência, resguardo-a com cuidado num sítio só meu. E mesmo que a minha alma vá sendo dilacerada pela dor da vida, sei que a alegria de viver encarregar-se-á de juntar os bocadinhos, pois a vida é o curandeiro da própria vida.