segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

choro

a chuva entra pela janela entreaberta,
molhando o coração que palpita, morto, no chão.
vagarosas, as gotas vão enchendo
o ventrículo inconformado, louco,
que se desfaz e consome,
ao ritmo de um demorado adeus.
as paredes brancas,
agora vermelhas,
acolhem-me o corpo vazio e pesado,
e também as memórias que dele suam como água,
com a gentil dureza e sustento,
da terra que é o fim.
somente escrava do movimento residual dos corpos,
assisto à morte lenta e líquida de memórias e sonhos,
afogados em água e sangue.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

L'Homme qui marche















cambaleando o corpo pesado, luto contra a dor que me entorpece os passos. sem direção definida, eu caminho.pé-ante-pé, prossigo na esperança de um amanhã que chega sempre tarde. um amanhã que fica sempre pela metade, pois a outra metade já eu a enchi com a angústia do ontem.
assisto à morte lenta do meu reflexo, enquanto sonhos e memórias se misturam e desvanecem numa tristeza que não possuo. e então despeço-me de mim, de ti, na esperança que amanhã a nossa ausência não doa.
---

mas vai doer. e amanhã será somente amanhã. mais um dia que ficará pela metade.

sábado, 21 de janeiro de 2012

grandpa's wisdom

(...)
foi então que o velho, falando pelos seus oitenta e um anos de experiência, fitou a sua neta mais nova e disse:
Mas eu de ti não espero o mesmo. Eu sei que tu não és bem daqui.


i am not, indeed.



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

grey


o céu é cinzento.
a areia é cinzenta.
o oceano é cinzento.
e eu, de olhar vazio e cabelo desalinhado, percorro esta avenida.
'quem me dera estar descalça', penso, pois gostava de sentir o frio das pedras da calçada nos pés. imagino como será poder sentir este frio de inverno, o esvoaçar dos corpos que passam e o calor de um beijo. como será simplesmente sentir? não me perguntem a mim, que eu apenas assisto à passagem do tempo. já não sei sentir, o meu corpo é agora minúscula partícula dormente num mundo imenso que me engole em tamanho.
alheia às caras que cruzo, não lhes vejo a alma. estou sozinha com o meu pensamento, e ainda não encontrei o caminho de volta a casa.




















o céu é cinzento.
a areia é cinzenta.
o oceano é cinzento.
e eu, de olhar vazio e cabelo desalinhado, percorro esta avenida que é o meu ser.
'quem me dera saber quem sou', penso, já cansada de dezassete anos de busca. imagino como será defender um forte ideal, embarcar numa perigosa aventura e viver um grande amor. como será simplesmente viver? não me perguntem a mim, que eu apenas sou uma espectadora da minha própria vida. já não sei viver, o meu suporte de existência é já só um minúsculo coração pulsátil, que a vida se vai encarregando de desacelerar.
a avenida está atulhada de gente, seres antagónicos que julgava ser impossível reunir no mesmo lugar. e o pior é que todos eles fazem parte de mim, dão consistência ao que sou. no entanto, nenhum deles me define, são casas sem tecto, livros abertos, faces sem rosto. ainda não encontrei o caminho de volta a casa.






terça-feira, 3 de janeiro de 2012

enquanto espero que o sono me visite...

tenho vindo a reparar que a maioria das pessoas possui o jeito antigo e, de certa forma, rural, de olhar para o Céu.
surpreendentemente, parecem fazê-lo sempre com o mesmo ar intrigado e surpreso, como se esperassem conseguir ler uma grande página em aberto sobre as suas cabeças. para mim, o Céu nada tem de misterioso ou mítico. ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas, ele não representa para mim Deus nem, muito menos, o infinito - para mim, depois de ultrapassarmos o "Céu" estaremos, simplesmente, no Espaço.
na verdade, o Chão inquieta-me muito mais que o Céu.
se pensarmos bem, do mesmo Chão do qual se levantam árvores, searas, levantam-se também os animais que correm nos seus campos ou que voam por cima deles. levantam-se espigas de trigo, flores bravas e bandeiras. levantam-se ventos, ondas e, às vezes, o solo desloca-se em massa. o Chão é vivo, activo, imprevisível, enquanto que do Céu, pouco mais espero que chuva ou trovões.
do Chão levanta-se também o Homem, embora caia também muitas vezes. levanta-se o sonho, a esperança, as poeiras da determinação e da fé. no chão se caminha, se salta, se dança. no chão se dança... e eu amo tanto dançar no chão.
n