quinta-feira, 3 de maio de 2012

my body is a cage, my mind holds the key



estes dias chuvosos têm-me dado uma vontade imensa de correr. lá fora. descalça. nas estradas escorregadias e naquela lama que nos engole os pés. idealizo, tão intensamente que quase nem consigo pestanejar, os meus cabelos negros desgrenhados a colarem na minha face suada, o palpitar dos meus músculos das pernas e os meus pés, repletos de feridas, tal como eu os gosto de ver. deleito-me ao quase sentir o derreter do meu corpo no chão após a corrida, a terra mole desfazer-se nas minhas mãos e o meu espírito a abandonar o meu corpo.
Sorrio para a paz de um corpo imóvel, perdido na natureza mas achado de si, que jaz na minha cabeça ao som de Yann Tiersen...

quarta-feira, 25 de abril de 2012

aquele ânsia permanente de não estar ali, de não existir. de te observar de fora, jovem promissor desenhando a vida por si idealizada, ileso de qualquer tipo de comichão semelhante a preocupação. já não terias de te preocupar se eu me sentiria confortável em tal ambiente, se mais alguma ingénua rapariga pensaria, mais uma vez, que sentar-me ao teu lado equivale a fazer amor contigo e que eu seria o alvo a... humilhar.
não tenho tempo nem paciência para isso. sobretudo paciência. os jogos de crianças e pessoas-cérebro-de-ervilha já me fazem ferver a pele. deixa-me preocupar antes com o universo e com a família, com os projectos para o futuro, com novas e alucinantes coreografias e palavras abadacadabrantes que me enchem os olhos.
não me interessa o amor. melhor, não me interessa esse tipo de amor. deixa-me antes não existir e ser somente espectadora dos vossos jogos intermináveis, controladores e doentes, dos quais não pretendo fazer parte.
Não mais.



sábado, 21 de abril de 2012

...


apesar de já envolta em lençóis, o meu coração bate ao ritmo frenético do meu pensamento. agacho-me tal e qual uma concha, para sentir e ouvir melhor o seu pulsar, que me bombeia o sangue e a certeza de ainda estar viva. imagino como seria se cessasse, o que causaria quando, de manhã, eu já tivesse entrado num sono eterno.
certamente não te importarias, isto é, se ainda sentes o sabor amargo das tuas palavras. quem me dera se tu apenas as cuspisses, que não estivesse qualquer atividade cerebral/emotiva envolvida nas palavras que proferes. que mentisses com quantos dentes tens na boca. que te quisesses matar, não por erradamente pensares ter o mundo contra ti, mas por te aperceberes do mal que me/nos fazes. mas que não te matasses. que chorasses de arrependimento e implorasses o meu perdão. eu não pensaria duas vezes em dar-to.
dar-te-ia tudo o que quisesses. dar-te-ia toda a minha roupa, a minha mesada, o meu quarto. dar-te-ia até a dança. dar-te-ia a minha vida, aos bocados ou toda. embelezaria o meu amor, para perderes o nojo que lhe tens. aprenderia a cozinhar os teus pratos predilectos, dos mais complexos aos mais simples. arranjar-te-ia um homem de bem, que te amasse os defeitos e as inseguranças. que te desse o que desconheço que precisas.
que precisas tanto... que me matas. ou melhor, que me desejas a morte.

quinta-feira, 15 de março de 2012

CRUZANDO PARALELAS

CRUZANDO PARALELAS

De Beatrice Dias e Rina Marques

Dança Contemporânea/ Performance

Local:Cine-Teatro António Lamoso, Sta Maria da Feira; peça inserida no Festival de Dança All About Dance - Made in Feira
17 de Março de 2012 pelas 21h30


Percorremos o mesmo espaço, seguindo trajectórias rectas, paralelas, sensivelmente intocáveis. Circulamos na mesma esfera e, no nosso previsível encontro, procuramos alterar as nossas rotas a passo ritmado e enfurecido.
Percorrendo o resto apagado que é o chão, vagueamos sobre ele, num movimento crescente e libertador, que nos suprime os obstáculos e nos despe de medos. Já libertas, passamos a ignorar o ódio e rivalidade, moldando-nos mutuamente. Surge, então, uma mescla de movimento instintivo, forte, solto que se traduz num explorar da nossa liberdade na liberdade do outro.

quarta-feira, 14 de março de 2012

i'm dead, i'm dead, i'm dead...



Dize-me tu adeus, se pela minha parte o não consigo.
Morrer é nada; perder-te é que é difícil.

sábado, 10 de março de 2012

...

Mas ao mesmo consagro a mim mesma um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

enquanto esperava pela hora de entrar para as aulas...


levanta-se contrariada.
primeiro, senta-se na cama e, depois,
observando os pés nus e magros,
caminha enquanto o seu corpo esfria.
os retratos acordam bocejando.
estende então a mão ao novelo abandonado
que é o seu passado.
e de repente, assim do nada, como um ser iluminado,
cujas veias são agora regadas por memórias e sonho,
tudo fez sentido.
o céu fez sentido.
o chão fez sentido.
os números, o zero, o infinito, fizeram sentido.
andar fez sentido,
respirar fez sentido.
a mentira fez sentido,
e a verdade também.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

maceração

Pisa os meus versos, Musa insatisfeita!
Nenhum deles te merece.
São frutos acres que não apetece
Comer.
Falta-lhes génio, o sol que amadurece
O que sabe nascer.

Cospe de tédio e nojo
Em cada imagem que te desfigura.
Nega esta rima impura
Que responde de ouvido.
Denuncia estas sílabas contadas,
Vestígios digitais do evadido
Que deixa atrás de si as impressões marcadas.

E corta-me de vez as asas que me deste,
Mandaste-me voar;
E eu tinha um corpo inteiro a recusar
Esse ímpeto celeste.

Penas do Purgatório (1954), Miguel Torga.


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

amanhã



sento-me, observo o vermelho-vivo que criei,
obra progressiva, furiosa,
e as chamas que me sossegam a pele.
por momentos,
esqueço o cinzento que preenche o amanhã dos meus olhos,
e entrego-me, despida,
à ténue teia de luz do presente.
percorro as cinzas frias do chão,
mas nada sinto,
pois estou a pensar em ti.
as cinzas são agora carícias,
cócegas suaves e lentas,
como o teu respirar na pele.


escurece então a minha mente,
tal como o fumo que me enche a boca e os pulmões,
quando sinto queimarem-me os pés,
com o fogo frio do ódio.






segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

choro

a chuva entra pela janela entreaberta,
molhando o coração que palpita, morto, no chão.
vagarosas, as gotas vão enchendo
o ventrículo inconformado, louco,
que se desfaz e consome,
ao ritmo de um demorado adeus.
as paredes brancas,
agora vermelhas,
acolhem-me o corpo vazio e pesado,
e também as memórias que dele suam como água,
com a gentil dureza e sustento,
da terra que é o fim.
somente escrava do movimento residual dos corpos,
assisto à morte lenta e líquida de memórias e sonhos,
afogados em água e sangue.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

L'Homme qui marche















cambaleando o corpo pesado, luto contra a dor que me entorpece os passos. sem direção definida, eu caminho.pé-ante-pé, prossigo na esperança de um amanhã que chega sempre tarde. um amanhã que fica sempre pela metade, pois a outra metade já eu a enchi com a angústia do ontem.
assisto à morte lenta do meu reflexo, enquanto sonhos e memórias se misturam e desvanecem numa tristeza que não possuo. e então despeço-me de mim, de ti, na esperança que amanhã a nossa ausência não doa.
---

mas vai doer. e amanhã será somente amanhã. mais um dia que ficará pela metade.

sábado, 21 de janeiro de 2012

grandpa's wisdom

(...)
foi então que o velho, falando pelos seus oitenta e um anos de experiência, fitou a sua neta mais nova e disse:
Mas eu de ti não espero o mesmo. Eu sei que tu não és bem daqui.


i am not, indeed.



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

grey


o céu é cinzento.
a areia é cinzenta.
o oceano é cinzento.
e eu, de olhar vazio e cabelo desalinhado, percorro esta avenida.
'quem me dera estar descalça', penso, pois gostava de sentir o frio das pedras da calçada nos pés. imagino como será poder sentir este frio de inverno, o esvoaçar dos corpos que passam e o calor de um beijo. como será simplesmente sentir? não me perguntem a mim, que eu apenas assisto à passagem do tempo. já não sei sentir, o meu corpo é agora minúscula partícula dormente num mundo imenso que me engole em tamanho.
alheia às caras que cruzo, não lhes vejo a alma. estou sozinha com o meu pensamento, e ainda não encontrei o caminho de volta a casa.




















o céu é cinzento.
a areia é cinzenta.
o oceano é cinzento.
e eu, de olhar vazio e cabelo desalinhado, percorro esta avenida que é o meu ser.
'quem me dera saber quem sou', penso, já cansada de dezassete anos de busca. imagino como será defender um forte ideal, embarcar numa perigosa aventura e viver um grande amor. como será simplesmente viver? não me perguntem a mim, que eu apenas sou uma espectadora da minha própria vida. já não sei viver, o meu suporte de existência é já só um minúsculo coração pulsátil, que a vida se vai encarregando de desacelerar.
a avenida está atulhada de gente, seres antagónicos que julgava ser impossível reunir no mesmo lugar. e o pior é que todos eles fazem parte de mim, dão consistência ao que sou. no entanto, nenhum deles me define, são casas sem tecto, livros abertos, faces sem rosto. ainda não encontrei o caminho de volta a casa.






terça-feira, 3 de janeiro de 2012

enquanto espero que o sono me visite...

tenho vindo a reparar que a maioria das pessoas possui o jeito antigo e, de certa forma, rural, de olhar para o Céu.
surpreendentemente, parecem fazê-lo sempre com o mesmo ar intrigado e surpreso, como se esperassem conseguir ler uma grande página em aberto sobre as suas cabeças. para mim, o Céu nada tem de misterioso ou mítico. ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas, ele não representa para mim Deus nem, muito menos, o infinito - para mim, depois de ultrapassarmos o "Céu" estaremos, simplesmente, no Espaço.
na verdade, o Chão inquieta-me muito mais que o Céu.
se pensarmos bem, do mesmo Chão do qual se levantam árvores, searas, levantam-se também os animais que correm nos seus campos ou que voam por cima deles. levantam-se espigas de trigo, flores bravas e bandeiras. levantam-se ventos, ondas e, às vezes, o solo desloca-se em massa. o Chão é vivo, activo, imprevisível, enquanto que do Céu, pouco mais espero que chuva ou trovões.
do Chão levanta-se também o Homem, embora caia também muitas vezes. levanta-se o sonho, a esperança, as poeiras da determinação e da fé. no chão se caminha, se salta, se dança. no chão se dança... e eu amo tanto dançar no chão.
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