sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

enquanto esperava pela hora de entrar para as aulas...


levanta-se contrariada.
primeiro, senta-se na cama e, depois,
observando os pés nus e magros,
caminha enquanto o seu corpo esfria.
os retratos acordam bocejando.
estende então a mão ao novelo abandonado
que é o seu passado.
e de repente, assim do nada, como um ser iluminado,
cujas veias são agora regadas por memórias e sonho,
tudo fez sentido.
o céu fez sentido.
o chão fez sentido.
os números, o zero, o infinito, fizeram sentido.
andar fez sentido,
respirar fez sentido.
a mentira fez sentido,
e a verdade também.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

maceração

Pisa os meus versos, Musa insatisfeita!
Nenhum deles te merece.
São frutos acres que não apetece
Comer.
Falta-lhes génio, o sol que amadurece
O que sabe nascer.

Cospe de tédio e nojo
Em cada imagem que te desfigura.
Nega esta rima impura
Que responde de ouvido.
Denuncia estas sílabas contadas,
Vestígios digitais do evadido
Que deixa atrás de si as impressões marcadas.

E corta-me de vez as asas que me deste,
Mandaste-me voar;
E eu tinha um corpo inteiro a recusar
Esse ímpeto celeste.

Penas do Purgatório (1954), Miguel Torga.


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

amanhã



sento-me, observo o vermelho-vivo que criei,
obra progressiva, furiosa,
e as chamas que me sossegam a pele.
por momentos,
esqueço o cinzento que preenche o amanhã dos meus olhos,
e entrego-me, despida,
à ténue teia de luz do presente.
percorro as cinzas frias do chão,
mas nada sinto,
pois estou a pensar em ti.
as cinzas são agora carícias,
cócegas suaves e lentas,
como o teu respirar na pele.


escurece então a minha mente,
tal como o fumo que me enche a boca e os pulmões,
quando sinto queimarem-me os pés,
com o fogo frio do ódio.