terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

maceração

Pisa os meus versos, Musa insatisfeita!
Nenhum deles te merece.
São frutos acres que não apetece
Comer.
Falta-lhes génio, o sol que amadurece
O que sabe nascer.

Cospe de tédio e nojo
Em cada imagem que te desfigura.
Nega esta rima impura
Que responde de ouvido.
Denuncia estas sílabas contadas,
Vestígios digitais do evadido
Que deixa atrás de si as impressões marcadas.

E corta-me de vez as asas que me deste,
Mandaste-me voar;
E eu tinha um corpo inteiro a recusar
Esse ímpeto celeste.

Penas do Purgatório (1954), Miguel Torga.


1 comentário:

  1. Como se já não impressionasse a sensibilidade colocada nas palavras escritas em nome próprio, agora revela-se o bom senso na escolha das palavras escritas pelos outros... Quanto à música, caminhamos definitivamente no sentido do bom gosto...

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